Carta do Padre Cláudio sobre o momento do coronavírus.

PARÓQUIA SÃO JOÃO BATISTA
Arquidiocese de Campinas

Queridas irmãs e queridos irmãos de toda a Paróquia São João Batista:
assim nos diz Jesus:
“Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”
(João 10,10).

 

Inicio esta carta pedindo-lhes desculpas por ser tão extensa. Ao longo de toda a história da humanidade ocorreram incontáveis epidemias, nas mais variadas formas, ou seja, “doenças que surgem rapidamente num lugar e acometem, a um tempo, grande número de pessoas”. Mas, logo no início deste ano, fomos recebendo notícias de uma epidemia, que se transformou numa pandemia: o novo Coronavírus, que em tempo recorde, atingiu mais da metade de todo o mundo.
Uma doença que nunca havia atingido proporções gigantescas em todos os continentes do nosso planeta.

Apenas para exemplificar, notícias verdadeiras que nos chegam a todo momento: de ontem (19 de março), para hoje, na Itália, morreram 627 pessoas, ultrapassando, somente naquele país, mais de 4 mil mortos e 41.000 casos confirmados. Em Bérgamo (Itália), pessoas estão morrendo sozinhas, porque os parentes não podem mais ficar ao seu lado. Na Espanha, somente ontem, morreram 169 pessoas, totalizando mais de 770 mortos. E, no Brasil, 11 mortos e 904 casos confirmados, hoje. Analistas credenciados, afirmam que a doença no Brasil está no mesmo ritmo em que se iniciou na Itália. Apresento estes números, como bem estamos acompanhando, sem jamais querer espalhar medo e pânico, mas para confirmar o quanto a realidade do Coronavírus tem sido e está se tornando cada dia mais grave, no mundo todo.

O Ministro da Saúde do Brasil, Luiz Henrique Mandetta, ontem, expressando sua devoção a São José, fazia uma comparação entre esta doença e a escalada de uma montanha, dizendo que, no Brasil, estamos apenas no pé da montanha! Vamos começar uma subida… As autoridades de saúde de todo o Brasil estão dizendo: “esta semana é decisiva para conter o avanço do referido vírus em nosso país”. Os pedidos vem de todos os lados e de todas as formas, para que a população permaneça em casa, em total prevenção, cuidado, evitando formas de contato, de aceleração do ritmo de contágio. Infelizmente, há pessoas que não querem entender. “Não vamos criar outras crises”. “As crises criam desequilíbrios”; portanto, obedecer às autoridades médicas, sanitaristas é uma questão de equilíbrio, de amor social, de amor coletivo, de nos sentirmos todos e todas irmanados num grande bem comum: a vida de todos, a saúde de todos e todas, um grande aprendizado, uma corresponsabilidade, para a qual o mundo poucas vezes antes viu e sentiu-se convocado! Este momento de tanta dor e insegurança pode nos tornar todos mais humanos.

E nós, cristãos e cristãs, católicos e católicas? Como viver este grave, sofrido e, talvez, longo percurso de dor? Uma, de muitas maneiras, é viver, é colocar em prática as três grandes virtudes teologais: a FÉ, a ESPERANÇA e a CARIDADE-AMOR. Acreditar que Deus jamais abandona a humanidade, seus filhos e filhas amados e amadas, em todos os tempos da história. Acreditar que passado este período terrível de deserto, a humanidade poderá ser outra, diferente, mais crescida, mais humana, mais fraterna. Acreditar que Deus fala, ensina e revela sua Sabedoria, pela busca árdua dos cientistas, dos pesquisadores, que buscam dia e noite vacinas, remédios, cura para esta doença. Não perder a esperança jamais! Quem vive de FÉ e na FÉ, não tem medo; confia, ama, acredita. Nós vamos, o mundo vai sair desta situação de dor, de tristeza e morte, para um novo horizonte: o cuidado com tudo e com todos, prazer de viver, mais igualdade social e econômica, mais justiça, eco-global-fraternidade, mais carinho, ternura e lugar para Deus na vida, no mundo. E a virtude da CARIDADE-AMOR neste momento? Como vamos fazer sem a Eucaristia, sem os outros Sacramentos da Igreja, sem nos reunir, sem nos encontrar nas mais diversas atividades pastorais, religiosas de nossas Comunidades, a Semana Santa? Como será? Como fazer?

Jesus Cristo, a Fé, Religião, os Sacramentos, a Igreja nos conduzem à VIDA. Neste momento, o clamor de Jesus Cristo, do Espírito Santo e da Igreja, em todo o mundo, é CUIDAR DA VIDA, da SAÚDE. Neste momento, mesmo à distância, a igreja deve abraçar o MUNDO, todos os  povos, independentemente de etnia, de cultura, de religião, de partido político. A EUCARISTIA é ESTAR EM COMUNHÃO COM TODOS E TODAS, mesmo que em casa, recolhidos por vários dias, lendo, meditando, “mastigando” a Palavra de Deus; rezando nas mais variadas formas; manifestando nossas devoções aos santos e santos, que, em sua grande maioria, passaram por dores, perplexidades e tribulações, muitas vezes, mais difíceis do que agora estamos passando; unindo-nos a milhares e milhares de irmãs e irmãos nossos, que em tantos recantos do Brasil (na Amazônia e em outros territórios), nos interiores da África e da Ásia, recebem a Eucaristia apenas uma vez por ano e, raramente, o Sacramento do Perdão; redescobrindo o valor da família, no aconchego do lar, tantas vezes distante;  rezando, meditando o terço, não de forma mecânica e corriqueira, mas na profundidade dos Mistérios do Senhor e de sua Mãe Maria; ouvindo a Deus, na intimidade, na beleza e pureza do silêncio, quando os incontáveis ruídos do mundo urbano pósmoderno, não nos deixam ouvi-lo; deixar que o ESPÍRITO SANTO desperte em nós a sua  CRIATIVIDADE, que nos torna sempre mais vivos, amáveis e corajosos, e que, muitas vezes, na rotina da vida da Igreja, acabamos sendo tão repetitivos, para não dizer, embolorados e sem cor.

A Eucaristia neste tempo é estar em comunhão com milhares de profissionais da saúde, em todo o mundo (médicos, enfermeiras, atendentes…) que já se encontram exaustos pelos cuidados; que há mais de 50 dias não estão com os seus familiares, e insistem para permanecer em nossas casas, para que não se intensifiquem, ainda mais, a sua exaustão, a expansão do vírus e as carências de equipamentos médicos nos postos de saúde e hospitais.
Muitas pessoas estão nos perguntando: “Não poderemos neste tempo ir à igreja?”
Manteremos, sim, nossos templos abertos, como nos dias e horários de costume, para orações pessoais. E, ainda mais: vamos reconhecer, com mais vigor, o que São Paulo nos diz: “Nós somos os templos vivos do Espírito Santo”. Não deixaremos de ser Igreja, não vamos mudar nosso modo de ser Igreja; pelo contrário, vamos SER IGREJA ainda mais plenamente. Como nos diz São Pedro:
“a mesma espécie de sofrimento atinge os vossos irmãos espalhados pelo mundo. Depois de terdes sofrido um pouco, o Deus de toda a graça, aquele que vos chamou para a sua glória eterna em Cristo, vos restaurará, vos firmará, vos fortalecerá e vos tornará inabaláveis” (1 Pedro 5,9-10).
Eu, como padre – presbítero, sacerdote, profeta e pastor – de vocês, por amor a Deus, por amor à vida de todos e todas, por amor e sensibilidade ao mundo; por amor, corresponsabilidade e obediência às autoridades civis e eclesiásticas de todos os níveis, não deverei estar contato mais direto com vocês, neste tempo indeterminado; não por desamor, mas, por muito mais amor.
No entanto, sinto, profundamente, que viveremos ainda mais e melhor o que São Pedro também nos ensinou: todos nós “somos a raça eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo de sua particular propriedade… O Povo de Deus” (1 Pedro 2,9.10).

Finalmente, queridas irmãs e irmãos, em íntima e profunda comunhão com todas as autoridades públicas dos mais diversos segmentos de saúde, políticos e sociais (Organização Mundial de Saúde – OMS; Ministério da Saúde do Brasil; Secretaria Estadual de Saúde; Secretaria Municipal de Saúde; Decreto nº 20.771, de 16 de março de 2020, do Prefeito Municipal de Campinas); em obediência e em comunhão com os pedidos do Papa Francisco; às orientações de nosso Arcebispo Dom João Inácio Müller (dadas em 18 e 20 de março) e em comunhão com as decisões dos sete colegas presbíteros-párocos da Forania São João XXIII, da qual fazemos parte, tomamos as seguintes decisões:

– “todas as atividades que demandam aglomeração de pessoas [independentemente de número] sejam suspensas por tempo indeterminado, desde Missas e Celebrações da Palavra, até catequese, festas e reuniões”.

Vamos cuidar também das informações que nos chegam, verificando bem o que são verdades e mentiras, sem espalhar pânico, sem desespero e ansiedades. Como nos disse ontem uma psicóloga: “Agora é preciso organizar o cotidiano. Tudo é novo”.

Reforço, conforme já tem sido amplamente divulgado, todas as formas de máximo CUIDADO que devemos ter para com tudo e com todos neste tempo de permanência do Coronavírus. Por mais contraditório que pareça, como Igreja que somos, não nos reunir neste tempo, é a medida mais eficaz. Partilho, ainda, com todas e todos vocês, amadas e amados irmãos e irmãs: como lhes faz falta, como lhes é sentido no mais íntimo da Fé, não participar presencialmente, vivamente dos Sacramentos, especialmente, da Eucaristia, imaginem a nós, presbíteros, não PRESIDIR, em nome de Jesus Cristo, por Ele, com Ele e Nele, com a Comunidade de Fé, que tanto amamos, a Liturgia do seu Mistério Pascal…

Que o Coração da Virgem Maria, unido ao Coração de seu Filho Jesus, esteja intimamente unido ao nosso: desde o Calvário, até o túmulo; mas, especialmente, desde a manhã da Ressurreição, até o Cenáculo dos nossos dias e para sempre!

Que neste tempo de privação, de incertezas e de isolamento social, tenhamos mais do que uma certeza: “Eu estou com vocês todos os dias, até o final dos tempos” (Mateus 28,20).

Pe. Cláudio Zaccaria Menegazzi
– Pároco da Paróquia São João Batista –
Campinas, 20 de março de 2020


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